Opinião: Por que os Requisitos para Celebração de Convênios Precisam Ser Revistos
Editorial
A Portaria Conjunta nº 33/2023 possui uma barreira burocrática que impede municípios de firmar convênios essenciais com a União. A exigência de comprovar regularidade de precatórios antes da assinatura é juridicamente questionável e precisa ser revista pelos órgãos responsáveis.
A Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33/2023 consolidou o atual regime jurídico das transferências voluntárias da União — convênios, contratos de repasse e instrumentos congêneres.
Seu artigo 29 lista minuciosamente as condições que estados, municípios, e entidades privadas sem fins lucrativos precisam cumprir antes mesmo da celebração do instrumento.
Entre elas, uma das mais polêmicas é a exigência de comprovação de regularidade no pagamento de precatórios judiciais, conforme foi estabelecido nos artigos 101 e 104 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Essa exigência, embora fundada em mandamento constitucional, vem gerando debate técnico e político. O cerne da controvérsia está em quando essa regularidade deveria ser aferida: antes da assinatura do convênio, como prevê a Portaria 33/2023, ou após a assinatura, como muitos defendem por razões de eficiência administrativa e justiça federativa.
O paradoxo da exigência antecipada
Ao exigir que o ente federativo comprove regularidade de precatórios antes mesmo da celebração, o modelo atual cria uma espécie de “barreira de entrada” que, na prática, exclui centenas de municípios — especialmente os de pequeno porte, com orçamentos limitados e dependência quase total das transferências da União.
A regularidade de precatórios, embora constitucional, não se confunde com a capacidade técnica ou financeira para executar um convênio.
A inadimplência pode decorrer de fatores estruturais, como o atraso de repasses estaduais ou a judicialização de valores discutíveis. O resultado é perverso: o ente que mais precisa de recursos federais é justamente o que tem mais dificuldade para comprovar as condições exigidas.
Além disso, a exigência prejudica a celeridade do processo. A obtenção das certidões — de tribunais de justiça (TJ), tribunais regionais do trabalho (TRT) e tribunais regionais federais (TRF) — é morosa, e o sistema do Transferegov não raro apresenta inconsistências. O Comunicado 31/2025 reforçou que a consulta ao CAUC não dispensa essas certidões, ampliando a burocracia sem ganho real de controle.
Regularidade como condição suspensiva, não impeditiva
Nada impede que a União condicione a liberação dos recursos à comprovação posterior da regularidade, transformando o requisito em condição suspensiva, ou mesmo em artigo do termo assinado entre as partes.
Essa solução seria juridicamente segura: o convênio poderia ser celebrado (preservando empenhos e prazos orçamentários), mas sua execução — o repasse efetivo dos recursos — ficaria suspensa até que o ente demonstrasse adimplência.
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A própria Portaria 33/2023, em seu artigo 28, já prevê o uso de condições suspensivas em outras hipóteses, o que mostra que o instrumento jurídico está disponível.
Com isso, a União manteria o controle fiscal e jurídico exigido pela LRF, sem inviabilizar políticas públicas essenciais. Afinal, o objetivo das transferências voluntárias é promover o equilíbrio federativo, não punir financeiramente os entes endividados, que dependem desses recursos para inúmeros tipos de projetos.
A ineficácia da sanção coletiva
A vedação constitucional de transferências voluntárias por falta de pagamento de precatórios tem caráter sancionatório. Porém, aplicada de forma cega e antecipada, ela produz paralisação coletiva.
Na prática, não é o gestor inadimplente que sofre a sanção, mas a população local, que deixa de receber os benefícios dos recursos para saúde, educação e infraestrutura. O mecanismo, pensado como incentivo à responsabilidade fiscal, torna-se um castigo coletivo.
Mais grave ainda, o modelo atual viola o princípio da razoabilidade administrativa: um município pode estar com seu regime especial de precatórios regular, mas aguardar certificação formal de tribunais sobrecarregados — e, por isso, ficar impedido de celebrar o convênio. O direito material (adimplência) existe, mas a forma (certidão) não acompanha.
O papel da AGU e da necessidade de revisão normativa
Pareceres recentes da CONJUR-MGI/CGU/AGU (como os de nº 6/2024 e nº 32/2025) reforçam a legalidade da exigência antecipada, mas também reconhecem a complexidade operacional da verificação.
Ao mesmo tempo, a própria Portaria 33/2023 vem sendo alterada sucessivamente — pelas Portarias nº 29/2024, nº 42/2024 e nº 25/2025 —, o que demonstra que o modelo está em maturação e pode e deve ser aprimorado.
O caminho razoável é alinhar o marco normativo à realidade federativa: a comprovação de regularidade de precatórios pode ocorrer após a celebração, como condição suspensiva para o repasse dos recursos. Isso preserva o controle da União e respeita os princípios da eficiência e da cooperação entre os entes federativos, conforme orienta o artigo 23 da Constituição.
Racionalidade administrativa
A exigência de regularidade de precatórios é legítima e necessária. O que se discute não é se deve existir, mas quando e como deve ser comprovada.
Transferir o momento de verificação para após a assinatura do convênio representaria um avanço em termos de eficiência, proporcionalidade e equidade federativa. Permitiria que municípios em vias de regularização ou com atrasos formais de certificação não fossem punidos de antemão.
É hora de o governo federal, por meio do MGI, da CGU e da AGU, rever a Portaria Conjunta nº 33/2023 nesse ponto específico. A boa governança pública exige não apenas rigor jurídico, mas também sensibilidade institucional — para que a lei continue sendo instrumento de desenvolvimento, e não de exclusão.
Por: Lucas A L Brandão/Portal Convênios.





