Brasil Sem Esgoto: Estudo Revela como R$ 21 Bi Sumiram de Obras de Saneamento Básico
Por que, após mais de uma década de incentivos federais, quase metade dos brasileiros ainda não tem acesso a água e esgoto?
Um relatório recém-divulgado pelo Centro Internacional de Transparência e Pesquisa sobre Tributação Corporativa (CICTAR), sugere que a resposta está no uso controverso de recursos públicos por empresas privadas do setor de saneamento.
O desvio do propósito dos incentivos
Criadas em 2011, as chamadas debêntures incentivadas nasceram com a promessa de financiar obras de infraestrutura estratégica no país, incluindo saneamento básico. O mecanismo isentava investidores de imposto de renda sobre títulos de dívida emitidos por empresas, reduzindo o custo da captação de recursos e estimulando aportes em áreas críticas.
Mas, segundo o estudo “O Sequestro do Financiamento do Saneamento Básico do Brasil”, do CICTAR (Centro Internacional de Transparência e Pesquisa sobre Tributação Corporativa) em parceria com o SINDAE-Bahia, a maior parte desse dinheiro não chegou às obras que deveriam levar água e esgoto a milhões de brasileiros.
Levantamento revela que R$ 21,1 bilhões – mais da metade dos R$ 38,9 bilhões captados na última década – foram usados para pagar ou refinanciar outorgas de leilões de saneamento, em vez de investir em redes de abastecimento e coleta de esgoto.
Expansão corporativa versus melhoria dos serviços
Na prática, empresas privadas aproveitaram os incentivos para ampliar seu domínio no setor. Ao invés de direcionar recursos para obras urgentes em regiões carentes, as concessionárias financiaram a compra de novos contratos, sobretudo em áreas mais rentáveis, como Sul e Sudeste.
A pesquisadora Livi Gerbase, do CICTAR, alerta: “Essa distorção poderia ser evitada se o governo proibisse o uso de debêntures incentivadas para pagamento de outorgas. Hoje, o incentivo acaba funcionando como um subsídio indireto para a concentração empresarial, sem resolver o déficit histórico do saneamento”.
O caso BRK: dívida, tarifas altas e pouco investimento
O relatório dedica um capítulo à BRK Ambiental, controlada pela gestora canadense Brookfield. Entre 2017 e 2024, a companhia captou R$ 18,3 bilhões em dívidas, mas investiu apenas R$ 7,8 bilhões em expansão e melhorias.
Um exemplo emblemático ocorreu em 2020, quando a empresa adquiriu a concessão da Região Metropolitana de Maceió. Para pagar os R$ 2 bilhões da outorga, levantou R$ 3,7 bilhões em debêntures, das quais metade com incentivo fiscal. No entanto, os investimentos realizados nos três primeiros anos somaram pouco mais de R$ 400 milhões – muito abaixo da necessidade local.
Enquanto isso, as tarifas cobradas pela BRK subiram 71% em sete anos, superando a inflação, e a concessionária acumulou denúncias por falhas no abastecimento, lançamento irregular de esgoto e descumprimento de contratos, além de enfrentar duas CPIs.
Impactos sociais e fiscais
A distorção no uso dos recursos também afeta trabalhadores e cofres públicos.
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Apesar do faturamento crescente, a BRK pagou apenas R$ 52 milhões em impostos em 2024, valor irrisório diante do R$ 1,2 bilhão desembolsado pela concorrente Aegea. Já o FI-FGTS, que detém 30% da empresa, recebeu menos de 2% dos dividendos distribuídos no período recente.
Segundo Fernando Biron, dirigente do SINDAE-Bahia, “a lógica atual valoriza os ativos das concessionárias para futuras revendas, mas não entrega qualidade nem universalização do serviço”.
Desigualdade persistente
Os números ajudam a explicar o atraso brasileiro no cumprimento das metas de universalização previstas no Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020):
- Apenas 59,7% da população tem coleta de esgoto.
- Na zona rural, o índice despenca para 5,6%.
- O abastecimento de água chega a 83,1% dos brasileiros.
Com o objetivo de atingir 99% de cobertura de água e 90% de esgoto até 2033, o país corre contra o tempo – mas os recursos, em vez de fortalecer a rede, estão sendo canalizados para estratégias financeiras das concessionárias.
O que diz o novo Marco Legal do Saneamento Básico
Aprovada em 2020, a Lei nº 14.026 atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico, originalmente estabelecido em 2007 pela Lei nº 11.445. A nova legislação definiu metas ambiciosas para o setor: universalizar o acesso à água potável, alcançando 99% da população, e garantir 90% de cobertura em coleta e tratamento de esgoto até 2033.
Para viabilizar esse avanço, o governo federal mudou a lógica de financiamento do saneamento. No lugar da predominância histórica de investimentos públicos, a lei abriu caminho para maior participação do setor privado. Isso pode ocorrer de duas formas: pela transferência do controle acionário de companhias estaduais para investidores privados ou pela criação de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Além disso, os serviços passaram a ser concedidos, por meio de leilões, a empresas que assumem a responsabilidade por operar e expandir a rede de saneamento em cidades ou regiões durante prazos médios de 30 anos.
Passados quase cinco anos após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento, o balanço ainda é modesto. Nesse período, foram realizados apenas 31 leilões de concessões no setor, em sua maioria estruturados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os certames têm sido, em geral, vencidos pela empresa que apresenta a maior proposta de outorga financeira ao governo.
Por: Lucas A L Brandão/Portal Convênios – Fonte: Agência Pauta Social.
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