Apesar de promessa de desburocratização, gestores municipais lidam com prazos rígidos, riscos de devolução de recursos e travas para novas indicações.


A Confederação Nacional de Municípios (CNM) emitiu alerta aos gestores municipais que têm até 90 dias para apresentar e ter aprovados os planos de trabalho das chamadas emendas especiais, sob risco de ficarem impedidos de receber novas indicações parlamentares.

A medida, fruto de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, reacende um antigo dilema enfrentado pelos municípios: o descompasso entre a intenção da norma e a realidade da gestão local nas prefeituras.

As emendas especiais — conhecidas como emendas Pix — foram criadas com o objetivo de simplificar o repasse de recursos federais aos municípios, sem a exigência de convênio ou destinação específica. A ideia era clara: menos burocracia e mais autonomia para prefeitos e prefeitas.

No entanto, os recentes desdobramentos na esfera judicial e os critérios definidos pela Portaria Conjunta 2/2025 dos Ministérios da Fazenda e da Gestão mostram um movimento na direção contrária.

Liberdade prometida, controle imposto

A CNM estima que 1.570 municípios podem ter de devolver até R$ 2,8 bilhões recebidos entre 2020 e 2023, caso não consigam comprovar a execução correta dos recursos ou não atendam aos prazos estipulados.

A rigidez dos novos critérios também atinge as emendas de 2024: 211 municípios ainda não preencheram o plano de trabalho, o que pode comprometer o recebimento de R$ 152 milhões.

Além do prazo de 90 dias para envio e aprovação dos planos de trabalho, os municípios dispõem de apenas 30 dias corridos para atender a eventuais solicitações de complementação de informações por parte dos ministérios.

Esse prazo se mostra ainda mais desafiador no atual cenário, em que cerca de 56% dos municípios elegeram novos gestores, o que naturalmente exige um período maior para reorganização administrativa e ajuste das equipes técnicas.

Se o plano for reprovado — total ou parcialmente — o município pode ser obrigado a devolver os recursos recebidos, corrigidos monetariamente, e ainda ficar impedido de receber novas transferências.

Realidade local não é levada em conta

Para os gestores municipais, a exigência de ajustes em prazos tão curtos ignora as limitações técnicas, estruturais e operacionais de grande parte das administrações locais.

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Especialmente nos pequenos municípios, é comum a escassez de equipe técnica capacitada para lidar com os pareceres exigidos na plataforma Transferegov ou para atender, em tempo hábil, às demandas burocráticas de órgãos federais — cujos critérios, muitas vezes, são pensados para grandes obras de infraestrutura.

Não faz sentido exigir da prefeitura de uma cidade do interior, que pretende apenas modernizar a iluminação pública de algumas ruas, o mesmo nível de detalhamento técnico exigido a um projeto elaborado por uma concessionária de energia elétrica.

A comparação é desproporcional e ignora por completo a realidade e a capacidade operacional dos pequenos municípios. Situações como as mencionadas acima ilustram o tipo de exigência que tem sido gerada nas diligências das emendas especiais — e que hoje ameaçam 1.570 municípios com a possível devolução de até R$ 2,8 bilhões recebidos entre 2020 e 2023.

Além disso, a falta de padronização nas análises dos ministérios e a ausência de diálogo efetivo com os entes locais aumentam a insegurança jurídica e institucional. O que era para ser uma via rápida e eficaz de investimento local, transformou-se em mais uma armadilha burocrática.

Apelo por equilíbrio

É necessário reconhecer que a transparência e a boa aplicação dos recursos públicos são essenciais.

No entanto, garantir controle e transparência não pode significar sufocar a autonomia municipal com regras que, na prática, inviabilizam a execução dos recursos. A imposição de prazos, sem suporte técnico adequado, pune quem mais precisa: o cidadão, que deixa de receber obras e serviços essenciais.

A CNM tem buscado cumprir seu papel ao orientar os municípios, disponibilizando tutoriais e guias práticos para o preenchimento dos planos de trabalho. No entanto, é fundamental que a União e o Judiciário reconheçam os desafios enfrentados na ponta, especialmente considerando que, desde a criação dessa modalidade de emenda, foi projetada uma maior autonomia para a aplicação dos recursos.

O modelo das emendas especiais só cumprirá seu propósito original quando garantir agilidade, redução de burocracia e segurança jurídica para quem está na linha de frente da gestão pública. Enquanto isso, o risco é de que prefeitos e prefeitas virem reféns de um sistema que prometia versatilidade, mas que entrega burocracia.

Por: Lucas A L Brandão/Portal Convênios – Fonte: CNM.

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